distant voices/still lives é um filme de 88, do terrence davies, mas parece fora do tempo.
é uma auto-biografia que parte de dois momentos em que todos se reúnem para tirar fotografias de família. há a imagem fixa e tensa- a da fotografia - para logo a seguir as personagens se libertarem do quadro maravilhosamente composto e continuarem com os seus rumos, todos eles entrelaçados. a pai era uma besta. todo o filme é como uma sucessão de quadros em movimento, perfeitos, com uma fotografia perfeita, o realismo inglês mas com uma delicadeza incrível que não deixa o filme, que é duro, cair naquela coisa irritante daquele cinema inglês conscientemente feio, porco e mau.
o davies mostra aquelas vidas sem obedecer a uma ordem cronológica muito rigorosa, excepto quando as distant voices dão lugar às still lives. no filme, ele mostra pedaços cortados ou rasgados do (seu) passado cuja continuidade topa-se um pouquinho à distância. o espectador não desgruda porque não sabe bem o que virá a seguir. mas ele é o maior e intercala momentos de violência bruta com outros de contemplação pura e limpa e linda da banalidade da vida: o pai a sovar uma filha DEPOIS a mãe a lavar uma janela, sentada no parapeito e os filhos a reagirem à cena. não há nada mais lindo que essa cena. o ritmo do filme é marado. porque poder-se-ia pensar que ele iria tomar os primeiros momentos do filme para definir o compasso de todo ele. mas não é bem. porque como se não fosse já perfeito o tratamento que faz daqueles momentos muito duros e dos outros muito simples - o olhar mais infantilizado mas puro e natural -, a música é muito importante. é um trabalho muito fixe sobre o género. e o davies abre o filme com uma música tão bonita (I Get The Blues When It Rains) e que de facto põe-nos blue o filme todo, carimba as personagens com uma trajectória blue. logo a seguir, pimba!, outra música, cantada, a ilustrar. e depois ainda qualquer coisa de música clássica (não topo nada disso, não sei o que lhe chamar). mas todos estes temas trabalham bem com as suas cenas, não as prejudicam, antes exaltam. todo o filme é uma exaltação. é mesmo um musical, até porque as personagens cantam cantam cantam. é o domínio. nunca piroso, nunca pretencioso.
é uma obra de arte perfeita, um objecto tão estranho, feita por alguém que domina a encenação, a câmara, a música e a direcção dos actores. é duro e sério, mas sempre delicado e envolve o passado por uma névoa meio opaca, meio de sonho, que é o que acontece muitas vezes quando se olha para trás. há o respeito por aquelas pessoas, que não poderiam ser mais bem representadas e apresentadas.
eu peço desculpa pelo testamento. mas isto não acontece muitas vezes. entrou para o Top5.
poderia escrever muito mais mas estou a correr. ainda não pensei muito sobre o filme, isto é apenas a superfície. se puderem, vejam-no.
todo o sapal delirou.